Nunca lá estive,
mas gostava.
Também de me sentar a mesa de café
descontraída (mesa e eu)
e ter à minha frente
o dinossauro.
Pata traçada sobre a rocha,
aquela onde Teseu
não descobrira entrada de caverna.
Conversaríamos os dois, eu
na cadeira, ele
altamente herbívoro e escamoso,
olho macio e muito social.
Depois, o fio!
Que Ariadne traria, pouco solene
e debaixo do braço.
Um fio de seda ou prumo ou aço.
E o dinossauro,
de pouco habituado (ainda assim)
a um tempo tão nosso,
perguntaria para que era aquilo.
"Para guiar Teseu", era
a resposta de Ariadne. E depois,
piscando o olho, ainda mais macio
que o do monstro escamado,
"Ou para o confundir"
Convirá referir neste momento
que Teseu: entretido no palácio
a estudar labirintos com o rei,
ignorante de tudo.
Na rocha, cheia de algas macias
de veludo,
abriria o dinossauro em gesto largo
as patas dianteiras, aprovando
a ideia.
Estávamos bem, os três,
beberricando calmos o café
servido por meteco - bem cheiroso.
Enquanto no palácio, o labirinto inchava
e Teseu, ansioso por agradar ao Rei,
queimava, de frenético, nobres pestanas
gregas.
No ar minóico, rescendia
o perfume a laranjas,
e, entre vários cafés e golos de retsina,
o dinossauro mastigava calmo
quatro quilos (à vez) de
ameixas secas e doces
tangerinas,
narrando a nobre paz
que se seguira ao caos:
não sabia se estrelas em cósmica viagem
de chuva de brilhantes,
se glaciar medonho
reconcertando o ritmo da Terra,
se só o seu tamanho -- imenso
e desumano --
a dar lugar ao mito.
Em labirinto
de muitos milhões de anos,
tinha chegado ali. Sem saber como.
"É como o fio que eu trago
aqui, para Teseu", Ariadne
diria, "O de aço, seda, ou prumo,
que conduz ou confunde, conforme
ocasião."
-- A traição!
Derivaria Ariadne, então,
falando de Teseu: da traição que,
julgava ela,
o levaria a abandoná-la em Naxos
e do compasso incerto do que fora
anterior à traição.
Poseidon pelas águas reluzia,
o destino de Minos e de Cnossos
ainda por marcar;
só o monstro sabia como deuses e homens:
comuns a odiar.
Sabia, mas calava. Que silêncio:
a virtude maior
de sáurio que se preza.
E a conversa seria tão calma, tão amena,
que esquecia Ariadne derivações
de mito,
juntando-se à retsina.
"Um brinde", proporia o dinossauro,
em gesto social.
"Um brinde", repetiríamos nós (princesa
e eu).
E o fio de renda fina voaria
qual pássaro pré-histórico,
até ao mar Egeu.
Pata a tapar a boca de franjas
inocentes,
palitaria então o Dinossauro os dentes...
(E do palácio já saiu Teseu.
Mapa e espada na mão.
Mas sem o fio.)
Que maravilha de poema. Um pouco a brincar à Sena, mas tão Ana Luísa Amaral.
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