Diferenças (Ou Os Pequenos Brilhos)

Quando eu morrer, a diferença já não:
o próximo fulgir de estrela: igual,
na panela fervente o vegetal
à mesma temperatura. Quando eu morrer,
a minha rua será a mesma rua,
a luz do candeeiro: luz igual.
Os meus livros terão as mesmas cores,
as mesmas letras, os mesmos sinais,
tal como na cozinha os pontos cardeais
serão os mesmos onde quer que eu for:
aqui, botão do gás, ali os pratos
a flores discretas, recém-arrumados,
e, do lado direito (simbólico o seu estado),
máquina de lavar. Quando eu partir,
as coisas ficarão como devem ficar.
Perder-se-á, é certo, da cozinha
o seu nível onírico e de inspiração:
nunca mais o fogão a dizer versos,
nunca mais o fogão: sem ser, sendo, fogão.
Para além disso, as rendas serão rendas,
as gavetas, gavetas. E, como é óbvio,
as janelas, janelas de entrar luz.
E o incêndio que vi nesta parede
(Tróia onde mil Cassandra a convidar)
ceder-se-á ao sítio onde o sonhei e pus.
Ou seja: no papel. Que ficará.
Que, como livro: anel interestelar,
como cebola à espera de um luar
que outros olhos não vêem. Mas seduz.
Quando eu morrer, a diferença já não.
Só um fulgir de som? Só zunido de abelha
sobre flor? Minúsculo cavalo na parede
em ínfimo esplendor?

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